quarta-feira, 3 de outubro de 2012

DOMINGOS FÉLIX DE SOUZA - MESTRE DE SILÊNCIOS

Perdemos um grande intelectual e ser humano com o desaparecimento de Domingos Félix de Souza. O texto a seguir é parte de minha homenagem.

DOMINGOS FÉLIX DE SOUZA - MESTRE DE SILÊNCIOS

Aidenor Aires*

Domingos Félix de Sousa fez parte da mais importante geração de intelectuais que Goiás conheceu. Pela primeira v...
ez pode-se enumerar no grande interior vozes competentes de poetas, narradores e críticos dando forma a um todo criativo conhecido como Literatura Goiana, ou Literatura Brasileira feita em Goiás. As definições não me angustiam. Falo de espíritos que elegeram, como prioridade, a produção de uma obra de vida. Uma espécie de profissionalismo literário, se é conveniente chamar de profissão o ato de escrever. Os escritores que compõem a cena goiana no século passado, adentrando pelo presente, superam o mero diletantismo ou hedonismo dos seus predecessores que, com poucas exceções, foram autores de um único livro, textos esparsos em jornais revistas, ou compêndios de memória. Alguns nomes que se projetaram e fazem parte da estação madura de nossas letras deixaram obras significativas. Abordaram temas contemporâneos e exploraram as possibilidades da linguagem no manejo atual do idioma. Falaram de Goiás, revelando o humano universal em seus enredos. Antes de políticos, oligarcas ou ilustrados juristas e professores, os escritores contemporâneos são identificados por sua obra literária. Bernardo Elis, Hugo de Carvalho Ramos, Eli Brasiliense, Cora Coralina, José Godoy Garcia, Basileu França, Carmo Bernardes, A.G. Ramos Jubé, Gilberto Mendonça Teles, seu mano José Mendonça Teles, e muitos outros que a história já solidificou, desenham o Goiás moderno, de raízes profundas e poderosas faces identitárias. Quem viveu os tempos da mudança da capital, da Revolução de Trinta, das insurgências das correntes políticas e estéticas, da Informação Goiana, Revista Oeste, Quarto Poder e da emergência do parque gráfico e editorial que ia se desenvolvendo não pode se esquecer desses novos desbravadores. Eles não descobriram Goiás como bandeirantes. Foram intérpretes de nossa alma interior, de nosso isolado construir humano. Fizeram a conexão primordial entre os goianos e dos goianos com o Brasil e o mundo. Se muitos foram artífices de um discurso que conferia vez a esta gente, outros alisaram terrenos, fizeram picadas, seguiram como guias e maestros, cuja sabedoria e modéstia insuflavam nos bastidores solos, coros e apoteoses das ribaltas. Neste mister passou brilhando a inteligência de Domingos Félix de Sousa. Foi poeta, contista, crítico. De talento tão poderoso que se permitiu dissipar, perdulário, sua rica criatividade. Jamais se preocupou em reunir seus textos em livros. Deixava-os voar por aí em prefácios, artigos, narrativas. Conformava-o um gesto pedagógico de repartir. Ia, em seu magistério literário, amparando iniciantes, polindo inteligências, apontando alpondras e trilhas aos aventureiros das letras. Todos nós, que viemos depois, aprendemos com Domingos Félix. Muitos o buscaram, desfrutaram de sua sabedoria, empurrados para a própria viagem socrática de si a si mesmo. Agora, que irrefreável torrente de Cronos leva sua voz, sua serenidade exigente, sua amorosa disciplina, apresenta-se para tantos, uma prodigiosa orfandade. A herança é sua arbitragem ideal e terna. Membro de uma família de artistas e escritores, Domingos reverenciava a lira do irmão Afonso Félix de Sousa e a força narrativa da irmã Aída Felix de Souza. Alegrava-se com a missão de seiva transbordando e irrigando o canteiro de uma geração. O clamor que permanece é a necessidade de reunião de seus textos. Devem ser recolhidos e publicados para que sua serena lição possa compor o diálogo, também, do futuro. Sua filha, Maria Lúcia Félix, escritora de berço, esforça-se para que o legado de Domingos não desapareça. Ajudemo-la. As letras se fazem com livros, tomos bibliotecas, mas também com a pluma silenciosa e beneditina. Embora temporariamente silenciada, a voz de Domingos Félix apenas espera, enquanto seus ouvidos acatam a diversidade das vozes. Sua morte, de repente, atualiza e cristaliza seu amoroso vulto, a poesia, sua rica e generosa existência.

*Aidenor Aires, escritor, da Academia Goiana de Letras.